O teatro tinha capacidade para duzentas pessoas. E estava praticamente lotado. Embora fosse sexta-feira da Paixão, feriado nacional, a maioria que recebeu o convite não faltou ao encontro. Elas tinham sido escolhidas a dedo e, portanto, eram tão preciosas para nós como o ar que se respira. Sentadas em suas poltronas, próximas umas das outras, cinco criaturas, em especial, que não se conheciam, aguardavam o início da palestra. Há poucos dias, quatro desses personagens tentaram, de algum modo, tirar do caminho almas que, para eles, haviam violado as leis de Deus. O quinto estava ofendido com o próprio Criador. E, quem sabe, para puni-lo, ou se vingar das pessoas que julgava terem contribuído pela sua vida desditosa, tentara por um fim à própria vida. Os demais participantes do encontro estavam ali porque também, de alguma forma, ou eram vítimas de preconceitos religiosos – e havia se revoltado contra Deus – ou eram os próprios algozes, e nem sabiam disso, posto que usassem a fé de maneira equivocada, isto é, não para construir, mas para causar dissociações. De maneira que não seria fácil a tarefa de convencê-los a rever seus conceitos do Sagrado. No entanto, precisávamos pelo menos tentar. Com efeito, não tínhamos nenhuma noção do que eles fariam com as novas informações. As novidades causam espanto e perplexidade, sobretudo quando contradizem aquilo que aprendemos na fase colorida da infância. (...)
O orador era um homem alto, rosto de linhas elegantes. Aparentava cinquenta anos, tinha alguns fios de cabelo branco nas têmporas, o que lhe conferia certo charme, comprovado pelos olhares furtivos de algumas mulheres que, ao chegar ao teatro, iam sentando nas primeiras filas. Vestia blazer azul escuro e camiseta branca. Calça jeans e tênis completavam o traje informal. Ele deu um breve passeio com o olhar sobre a plateia, como o faria o grumete do alto do cesto da gávea, em mar aberto, procurando por indícios de terra firme; aferiu os diferentes rostos, uns conhecidos, outros não, sorriu com o canto da boca de satisfação e começou a falar:
– Senhoras e senhores, meu nome é Michelângelo, e quero agradecer pela presença de todos. Sejam bem-vindos católicos, luteranos, evangélicos, budistas, islâmicos, kardecistas, judeus, hindus e de todas as outras concepções religiosas. Bem-vindos também os “sem-religião”, os agnósticos e os ateus. Se estão aqui, é porque admitem existir em vocês, mesmo que mínima, uma voz de dúvida em relação às “caras verdades” que aprenderam acerca do mundo do Sagrado. (...)
Cá entre nós – disse o palestrante com um sorriso maroto – eu acredito na existência dele, mas não quero de modo algum influenciá-los. Bem, o fato é que, enquanto existir a humanidade, haverá crentes, duvidantes e ateus.
O escopo desta reunião é averiguar quem eram os homens que no passado diziam conversar com Deus, quais eram as leis e recomendações dadas pela suposta divindade, e como elas têm influenciado a vida na Terra até os tempos modernos. Por mais sério e absurdo que possa parecer, a maioria mal conhece o livro de sua religião, e jamais questiona o que ali foi escrito. Recebe goela abaixo, tudo mastigado. Hoje, será diferente.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
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